quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Round 2

Fim de semana que vem gravamos a segunda metade do curta. Após algumas reuniões de pontos bons e ruins do último fim de semana, estamos confiantes e ralando pra garantir diárias cada vez melhores. Já corro atrás de elementos de arte, cenário... um pouco de tudo. E listando os planos a serem gravados, com aquela "podada" básica, já, porque já vi bem como é a coisa.
Durante esta semana estive dando uma certa descansada. Querendo ou não, filmagens nos desgastam (foram dois dias quase ininterruptos de gravação, produção, desprodução, etc...). Nunca fui de reclamar muito de cansaço, mas é penoso. Porém, vale a pena. Quando você vê, a coisa tomou proporções gigantes e envolve um monte de gente, e isso é que é mais divertido e prazeroso: o coletivo. Aos leigos, aviso o que professores e diretores me passaram, em aulas e em programas de TV: cinema é trabalho em equipe. É convivência. Se você não gosta de trabalhar com outras pessoas, faça quadros (natureza morta) ou esculturas.
E o aprendizado que vem com esta convivência é a melhor coisa, independente do resultado. Uma coisa é o "durante": é mágico, é fugaz, ágil, passa rápido porém tem lá tudo concentrado, meses de planejamento e divagações e criação, e quando se registra os planos, os quadros, todo cuidado é pouco: você tem que pintar o quadro todo naquelas horas, não pode corrigir no dia seguinte. Todos têm de estar entrosados.
Tenho pensado muito sobre isso. E também sobre referências artísticas. Passei muitos filmes para a equipe e para o elenco se basear - fotografia, arte, figurino, atuação -, e é algo pertinente no meu modo de trabalhar. Só pra citar algumas referências estéticas (luz, arte): A Comilança de Marco Ferreri, O Jantar e Feios, Sujos e Malvados, de Ettore Scola, Uma Mulher Sob Influência, do Cassavetes, Os Bons Companheiros, Mean Streets, After Hours, Touro Indomável, Os Infiltrados, de Martin Scorsese, Quando explode a vingança, Era uma vez na América, Era uma vez no Oeste, de Sergio Leone, A Doce Vida, Noites de Cabíria, de Fellini, São Paulo S/A, de Luis Sergio Person, O Bandido da Luz Vermelha, do Sganzerla, e dá-lhe Bertolucci, Sergei Eisenstein, Fernando Meirelles, Anjos da Noite, Carlos Gerbase, Fátima Toledo, Lucrecia Martel, Almodóvar, Taranino, Rodriguez, os cantores Paul Anka, Robeto Carlos, Tony Manero, Fábio Júnior, James Caan em O Poderoso Chefão, Liv Tyler em Beleza Roubada, a Adriana de Rocky, um Lutador, os bandidos de Snatch de Guy Ritchie, os bandidos de Cidade de Deus, Peter Parker, e Bill Murray, e Faça a Coisa Certa, de Spike Lee, e O Cheiro do Ralo, e músicas italianas de Rita Pavone, e Pepino DiCapri, a jovem guarda, o jazz brookliniano de Louie Prima, a música estonteante da Motown, do creoule, do spirituals, Cab Calloway, o hip hop, o samba, o espírito paulistano, a malandragem de nossa cidade, o caos madrugador e acolhedor e contrastante deste lugar onde vivemos... onde tudo borbulha, exagera, mistura, cativa, enoja, misteriza... minha família, a família dos outros, meus grandes amigos de infância, minha descendência, minhas aspirações, minhas brigas, minhas ex-namoradas, minhas festas, colegas, espaços, conflitos e lugares por que passei e vi outros passarem (como meu pai, ou algum ex-chefe, ou algum dono de bar, ou alguma garota que vi passar e nunca mais pensei), viagens, experiências... enfim. Nosso inventário é imenso, e eu tinha (tenho) uma série delas pra expor por aí, esta é a maneira que encontro no momento pra pôr pra fora: um filme. Um filme curto, mas certeiro: pra te acertar no meio da testa em poucos minutos. Ou no estômago. Ou no coração. Tanto faz.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O Assalto de Sábado à Noite (e de tarde, e domingo, e madrugada adentro...)

Boa noite a todos!
Esperava ter feito mais um "ensaio" na sexta-feira antes de começar a correria toda, mas ficou impossível, pois as coisas começaram a acontecer e o tempo apertou e entramos em ritmo de não poder mais parar para pensar, e fazer acontecer.
Sexta pegamos os equipamentos na ELCV e nas locadoras com as quais firmamos parceria, e não era pouca coisa. Minha sala ficou totalmente atulhada de equipamento. Temos até que uma quantidade boa de opções para luz e para som, mais do que eu imaginava ser necessário para "O Jantar". A câmera me deixa bastante satisfeito, assim como ao Daniel (fotógrafo) e os demais membros da equipe. Estamos gravando em cartão de memória, com 8GB e 16GB, o que nos garante despreocupação com pausas para troca de fita e a possibilidade de fazer alguns backups a mais em HD's externos.
Já cansado na sexta à noite, não pude rever os planos com atenção e eliminar alguns como tinha prometido à equipe. Resolvi descansar, coisa que pude fazer até que bem, de sexta pra sábado. De manhã, uma parte da equipe foi pegar o que faltava de equipamento de som e câmera, e íamos nos comunicando por telefone e e-mail. Chegaram numa caravana que já trazia dois atores, o Victor (Mau, o personagem principal) e Stephanie (a Mulher do Violão), que eu só havia falado por telefone (explicando: esta moça corajosa encarnou um papel - menorzinho, é verdade, mas fundamental - no último momento, para nos salvar de um imprevisto que ocorrera com outra atriz, e veio para ensaiar somente no dia, antes de gravarmos!).
Já com boa parte da equipe, almoçamos e fomos carregando os carros com equipamento, para levá-los à locação, o bar, que era próximo e fechava por volta das 15 horas (para nossa sorte!).
Eu, a Teresa (minha assistente) e o Daniel revíamos, às pressas, os planos do dia, tentando eliminar o que pudéssemos, pois minha decupagem apresentava ainda uns 50 planos para serem feitos em dois dias (inviável, é óbvio). Definidos os fundamentais, fomos levar tudo pra lá. Objetos de cena, e tudo mais.
O dia estava extremamente quente (clima de verão, solzão) e isso vi como um ponto positivo, uma por causa da ação da história, que se passa num dia muito quente em São Paulo, e também porque vejo algo muito positivo neste tipo de clima para se trabalhar. Acho que a equipe fica mais empolgada com sol, apesar do calor.
Os atores foram chegando para ensaiarem na minha casa, com o preparador de atores, o Wil Damas. Eles tocavam o ensaio enquanto organizávamos luzes e cenários. Montei o cenário junto com a Renata, enquanto a Carmen (apelido da Maria do Carmo) cuidava dos figurinos, lá no ensaio.
Senti a tensão (e também a excitação) da equipe de luz - Daniel, Wesley e Tião, da elétrica - montando a parafernália e tentando agilizar aquela que é a parte mais pesada e mais demorada. Eu dava uma ajudada em todos os setores (mais no cenário), vira e mexe fazendo o making of junto com o Leo, que já ajustava seu equipamento de som. Mais tarde teríamos a presença de ninguém menos que Rodrigo Perillo no set, sendo o assistente do Leo (e garantindo algumas boas risadas, é claro!).
A tarde foi caindo e logo já era hora de começar. Começamos um pouco atrasados, mas isso parece que é sempre inevitável em cinema. Há muitos imprevistos. O clima era bom, apesar da correria. Mas eu estava bastante tenso, preocupado para que tudo corresse bem. Começamos não me lembro que horas a gravar. No início, as coisas parece que custam a acontecer, se arrastam um pouco. É normal. Até pegar o ritmo é assim. Mas logo comecei a ver que não haveria tempo para fazer toda a decupagem original: cortamos dezenas de planos que, enfim, nem eram cruciais. Eu acho que o crucial, com uma exceção ou outra, foi feito. Mas a situação era preocupante: ter tempo pelo menos de gravar os planos do segmento “bar” que fechassem a história, caso contrário, tudo seria em vão. Em certo momento me senti meio megalomaníaco querendo gravar todos aqueles planos, alguns ultra-difíceis, em dois dias. Fui aconselhado pelo Daniel e a Teresa a cortar e deixar o essencial. Foi o que fizemos.
As gravações se estenderam até o meio da madrugada, e todos – elenco, equipe técnica – já estavam só o pó, eu mesmo não raciocinava mais direito. Foi hora de parar. Arrumar um jeito de todos chegarem em casa pra descansar, e no dia seguinte repensar as cenas, de cabeça um pouco mais fresca. Os planos estavam ficando bons, isso é verdade. Os atores tinham ensaiado bem, tinham a ação toda fluindo bem. O Will Damas fez um trabalho espetacular. Note bem: atores de teatro, todos eles. Atuando, a maioria, pela primeira vez para vídeo (ou cinema). Mas o pessoal estava desgastado, um tanto estressado. Isso acontece. Eu, por exemplo, em alguns momentos fiquei muito estressado, cheguei a explodir uma vez, e isso é algo que estou aprendendo a controlar: ter frieza em certos momentos, e não deixar o emocional se sobrepor sobre o racional.
Fui dormir acho que lá pras 6 da manhã, não me lembro. Dei uma descansada de algumas horas e já levantei. Tião, eletricista, já estava de pé. Ficamos conversando sobre os mais variados temas. Preferi abstrair. Respirar, falar de coisas alheias ao filme.
Depois do bate-papo, telefones tocando, assuntos pra serem resolvidos. Sentei no computador, nem quis olhar as ordens do dia e seqüências de planos que tínhamos feito. O básico estava na cabeça. Uma coisa meio glauberiana: já se sabe a “base” sólida planejada, então é hora de pegar tudo, amassar e jogar fora. Fazer o novo. Escrevi rapidamente, em cinco minutos, todos os planos que eu achava essenciais de se fazer, de impulso. O que montava a história que eu tinha na cabeça já há meses. Imprimi, e era isso. Toca pra locação.
Dia de eleição. Ao lado do bar que nos serviu de locação, dois colégios, zonas eleitorais. Já contávamos com isso, claro. Clima de eleição, muita gente caminhando, muitos carros parados nas ruas lá perto. Sol. Senti uma vibração boa nisso tudo. O pessoal ia chegando, comentando às vezes sobre política, pelo menos um pouco mais descansados agora. Começamos a falar sobre os planos essenciais. Fechamos a pequena lista: se resumiram a 14, pra fazermos até meia-noite.
Após um pequeno atraso, começamos a gravar no Domingo, às 18 horas. Tudo correu bem, e de uma maneira melhor, a meu ver, que o dia anterior: já estávamos mais calejados, mais ágeis. Nota: neste dia foi o Fabrício, da ELCV, quem nos ajudou na assistência de som. E lembrando também do Igor, que foi chamado meio que na última hora, e fez a maquiagem de efeitos e efeitos especiais nos dois dias. A coisa fluiu, a maioria dos planos saiu como imaginávamos. Só no final, que novamente o tempo apertou, foi chegando a meia-noite e faltavam uns 3, 4 pra gravar. Tensão.
Num dos últimos, já sentia aquela empolgação, uma euforia no ar de coisa que está prestes a se consumar, se realizar. Este era um plano complexo, com todos atores num longo plano seqüência, visto de cima (plongé), com troca de tiros, pancadaria, efeitos especiais (sangue do tiro), e a fuga de um dos bandidos pela porta do bar. Eis que numa destas tentativas, quando ele levanta a porta de ferro e escapa correndo pra rua, lá fora está a maior euforia, carros de bombeiro descendo a avenida a toda, sirenes ligadas, criando um certo elo dramático com a situação da história que só posso considerar pura sorte. Era como se a situação alarmante do estopim do assalto encontrasse eco no caos que ocorria, de verdade, nas ruas naquele momento. Vibramos.
Finalizamos o último plano que tinha todos os atores. Alguns membros foram liberados, faltando somente o último plano, o da “discoteca”, em que o personagem Quedinha, um dos bandidos, imagina-se dançando sob um globo de luz dos anos 70, enquanto lembra toda a história da black music, que conta para os reféns do bar. Confesso que foi um momento especial, também. A luz criada pelos caras ficou sensacional, de verdade. Aquele bar virou uma discoteca com cores ótimas, movimento, energia, fechando com chave de ouro a diária.
Houveram falhas, atrasos, imperfeições, mas o esforço todo compensou, creio eu. Todos estavam mortos, caindo em pé. Mas era hora de desproduzir tudo, pois o bar iria abrir às 6 da manhã na segunda-feira. O dono do bar chegou, e todos (incluindo os atores) nos ajudaram a limpar, juntar, varrer, ensacar, reorganizar tudo no ambiente grande que incluía o bar, a cozinha, o depósito e dois banheiros.
Levamos o pessoal pra casa, voltamos, eu, o Tião e o Daniel dormimos poucas horas e já levantamos pra irmos devolver os equipamentos alugados e os da ELCV. Voltando, eu tinha trabalho atrasado para entregar, e não pude nem descansar ainda direito. Mas valeu a pena.
Quero fazer uma menção especial também aos meus pais, que deram a força fundamental pra que tudo funcionasse. Realmente, sem eles, as coisas não teriam dado certo. Foram verdadeiros produtores, assim como alguns atores, e o dono do bar, o Adílson. Os agradecimentos mais do que especiais vão a eles.
Porém, nem tudo é festa ainda. Faltam uns 60% do curta para serem grados Sábado, Domingo e segunda-feira que vem. Espero corrigir algumas falhas em meu trabalho, e organizar o set melhor desta vez, além de ser realista em relação ao pouco tempo que temos pra criar.
Durante a semana, com reuniões, ensaios e produção intensa, posto mais por aqui.

Beijos e abraços
Will